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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Últimos Segundos




Parecia uma pequena sala de balé, com a diferença de que só havia espaço para o piano – um lindo Baldwin – que havia lá. Quem o tocava? Ninguém, entretanto, uma moça se preparava para fazê-lo. E quem era ela?
Uma moça de 18 anos com o corpo em forma, mas sem realmente ligar para isso. Seus cabelos ruivos e compridos até a cintura formavam pequenos e definidos cachos nas pontas. Apesar disso, não havia frizz algum no mesmo. Seus olhos de um azul-celeste penetrante percorreram toda a superfície do instrumento, cravando-lhe um olhar muito gélido. Seus lábios finos e ressecados crisparam-se levemente e ela pousara suavemente as pontas de seus dedos compridos e finos no instrumento. Suas unhas eram compridas e cuidadosamente pintadas de um branco Paris. Agora ela devia estar pensando em que musiquinha tocaria. Através de seu narizinho de boneca, suspirou profundamente. Pálida, ela.
Vestia roupas muito comuns. Uma babylook branca, uma calça jeans justa e nos pés o velho e esfarrapado companheiro de todas as horas: seu All Star.
O ar em sua volta era cálido. Para um ser-humano isso seria assustador. Como eu não era um ser-humano, isto era muito convidativo.
Fui me aproximando daquela moça ao som fúnebre de seu piano. Sentei-me ao lado dela. Sem notar, ela havia me concedido espaço para tal.
Não fiz absolutamente nada além de ouvir aquela música de funeral e chamá-la para mim.
Depois, saí de lá na companhia de sua alma, sem me preocupar com o que iria acontecer com o corpo inerte de Angelique.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

ORIGINAL

I was astray from everything with a blade in my hands. Sweet empathica! I was also widowed because I am the lead. The leader most adventure-filled ever. And with praise. The blade sparkles in my hands. And what about the pale scenery with a waterfall on the background? The Ever Free tuck me in, swaying me.

I was strapped at the shore. The tide looks like a robber and I… Infanticide. I was rejoicing, daydreaming a feast about what I did.

There was a body rotting in front of me. The slain one. The feast was a tolling for us. Farewell, kid. Remains in front of me.

Now it was spitting on us. I know I’m a grave case.

¬ Be still – I said to the kid – Be still descending from Earth to Hell. I’ll meet you there.

And the pawn keeps moving, blindfolded by me.

¬ Siblings, I’ll noose you. I won’t forsake ‘til I get where I want. Don’t you keep doubting about me.

Caress is what I need now. Would you give me some? In this moment a brief and never-fading daybreak comes out, breathtaking me. It lays me when comes with seawinds and leaves me bated. A blank leech and some greed flee from me. And I still panting. I got no feed.

Masses don’t touch me anymore. The draws have reek. And nothing tames me again. This kid was mocked among depths of curse and wrath. And I, a humble mariner, made his tomb under a swarm.

Soaring. Chase and aegis.

The lust was bashful in the Elysian Fields.

My blackened harem despises a crimson dart in the molten stream.

Forlorn, my eyes gazes the horizon and I foresee a tempest-tossed beacon near the anchorage. Again I was long-forgotten in the set on the fog just because I also was unheard. I howl and swing the anchor to the seabed. The scent of dew takes over the place. Remind me my acre childhood.

I wither with the kid.

TRADUÇÃO

Eu estava perdido de tudo com uma lâmina nas mãos. Doce empatia! Eu também estava solitário porque eu sou a liderança. O líder mais cheio de aventura de todos os tempos. E com prazer. A lâmina cintila em minhas mãos. E o que falar sobre o pálido cenário com uma cachoeira nos fundos? O Sempre Livre me guardou, me balançando.

Eu estava acorrentado à costa marítima. A maré parecia um ladrão e eu... Infanticídio. Eu estava regozijando-me, fantasiando um banquete pelo que eu fiz.

Lá estava um corpo apodrecendo na minha frente. O assassinado. O banquete era um tributo a nós. Adeus, criança. Restos mortais na minha frente.

Agora estava chuviscando sobre nós. Eu sei, eu sou um caso grave.

¬ Continue. – eu disse à criança – Continue descendendo da Terra para o Inferno. Eu te encontro lá.

E o peão continua se movendo, vendado por mim.

- Irmãos e irmãs, eu vou pegar em armadilha vocês. Eu não vou renunciar até chegar onde quero. Não continue duvidando de mim.

Afago é o que eu preciso agora. Você me concederia? Agora uma breve e nunca desaparecida aurora surge, tirando meu fôlego. Isso me acalma quando vem com ventos marítimos e me deixa umedecido. Uma sanguessuga branca e alguma cobiça fogem de mim. E eu continuo ofegante. Eu não tenho sustento.

Multidões não me tocam mais. As valas têm cheiro ruim. E nada me doma de novo. Essa criança foi caçoada dentre as profundezas da maldição e da ira. E eu, um humilde marinheiro, fiz seu túmulo sob um enxame de abelhas.

A grande altura. Perseguição e amparo.

A luxúria estava tímida nos Campos Elysian.

Meu harem enegrecido despreza um dardo carmesim no liquefeito córrego.

Aflito, meus olhos olham fixamente o horizonte e eu prevejo uma tempestade lançada no farol perto do ancoradouro. Novamente eu estava esquecido há muito tempo na sociedade no nevoeiro só porque eu também estava inaudito. Eu uivo e giro a âncora para o fundo do mar. O aroma do orvalho toma conta do lugar. Lembra-me da minha infância acre.

Eu murcho com a criança.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Minha figura sobre eu mesma

Talvez quando uma criança requer atenção seja por excesso de amor. Pense bem, uma criança que nunca teve atenção se acostumou a viver com isso e não se importa, mas uma criança que sempre viveu rodeada de atenção sentirá falta da mesma quando esta acabar-se. E qual será a sua primeira reação? Fazer por onde para conseguir a devida atenção, claro. É uma pena que às vezes nem assim dê certo.

Eu era uma criança mimada. E, consequentemente, cresci sendo assim. Na adolescência nunca tive ninguém que me mostrasse o caminho oposto, afinal éramos apenas eu e aquela que tanto me mimava. Até hoje a odeio por isso, por mais que na época eu não soubesse.

Quando minha mãe morreu, por eu ser tão mimada à ponto de ninguém mais viver perto de mim, não tive para onde ir. Eu não era muito nova, mas estava acostumada a ganhar tudo de mão beijada e não sabia o que fazer. Ainda mais que eu não sabia fazer absolutamente nada sozinha e não tinha conhecimento sobre nenhum parente. Aliás, nem mesmo eu tive a ideia de ir até o cartório procurar pelo meu parente mais próximo.

Nesse dia eu havia ido para a escola de manhã cedo como fazia todos os dias. Eu estudava no Pastor Dohms-Hiegen e estava no meio da minha aula de alemão quando a diretora do colégio batera na porta da sala de aula e chamara por mim. Eu estava no segundo ano. Era a diretora do colégio, o professor não poderia dizer não para ela, então apenas acenou para que eu a acompanhasse.

Um pouco assustada, obedeci. Meus olhos estavam como amêndoas e minha pele como papel. Ainda me lembro de olhares atravessados em minha direção enquanto eu caminhava ao lado da diretora pelos corredores. Quando chegamos a um corredor em que só era possível ouvir os saltos de ambas as mulheres batendo contra ao chão, ela parou e se virou para mim.

A notícia fora a pior de todas, entretanto meus olhos já não eram mais amêndoas e nem minha pele cor de papel. Eu nunca havia perdido ninguém, já que não havia ninguém para perder, então apenas respondi:

¬ Ok.

Talvez ela não tenha entendido, mas, como as regras da alta sociedade exigiam, pagou um táxi para que eu fosse direto para casa. Quando chegamos lá (eu morava em uma bela e imensa casa de esquina) já não havia mais casa alguma, eram só restos. Eu não pensava exatamente na morte de minha mãe, mas pensava no que eu faria agora.

O taxista era neutro na história, então apenas me deixou lá e foi embora.

Caminhei um certo curto tempo dentre os restos do que um dia fora a minha casa. De vez em quando ainda olhava para os lados na esperança de que alguém aparecesse para me acudir, mas era uma vã esperança.

A noite chegou e eu resolvi dormir por lá mesmo. No outro dia fui ao colégio. E assim se seguiram os próximos dias. Nas manhãs eu acordava com algumas moedas deitadas ao meu lado, o que era o suficiente para comprar o pão que me alimentaria o resto do dia.

Quando acabou o semestre, fui proibida de voltar ao colégio, pois a mensalidade já estava atrasada. Tentei me inscrever em um colégio estadual, mas era preciso um responsável maior de idade.

E meus dias foram se passando assim... Eu vivia de esmolas, igualzinha àqueles meninos de rua que eu sempre odiara por viverem me pedindo esmolas.

Eu estava igualzinha à eles: sem nada, sujeita à coisas que eu nunca havia imaginado que passaria antes, com meus desejos todos virados do avesso.

Também não tive outra escolha.

Enlouqueci.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Figure you out!

Nas ruas tortuosas da formosa Veneza era sempre possível notar uma presença indispensável. Fora os automóveis, construções, parques e seres vivos em geral, um jovem de cabelos curtos, salpicados e cor-de-chocolate sempre cumprimentava as pessoas que passavam por ele. Conhecidas ou não, de classe alta ou não, ele sempre se esforçava ao máximo para ser igualmente simpático e educado com todas elas. Mas, às vezes, quando seu dia não estava muito bom e ele estava de mal com a vida, o tiro acabava saindo pela culatra e nem mesmo isso ele conseguia fazer direito. Claro, ele era adolescente e não tinha ninguém com que pudesse confiar seus problemas, e acabava agindo errado com as pessoas erradas, mesmo sem querer.

Às vezes, quando um amigo seu lhe emprestava o violão, ele parava moças que estavam a passear para dedicar-lhes algumas cantigas de sua própria composição. E cantava com louvor, as moças pareciam gostar. E seus parceiros, quando estavam acompanhadas, também não faziam objeção alguma. E através disso ele tinha o seu pão de cada dia.

Ele era um menino muito apaixonado por tudo e por todos, e por isso se machucava com mais facilidade. Mas, também por causa disso, apesar de todas as dificuldades, ele não conseguia deixar de sorrir ao olhar para frente.

Um dia, finalmente, alguma menina olhara para ele de modo diferente. Pela primeira vez, já que as pessoas não estavam acostumadas a olhar para a sua beleza interior e exterior, e sim para a sua classe social.

Aquela menina era de mesma classe social que ele, agora, mas, por ter vindo de uma família falida da alta-sociedade, ainda tinha muito o que aprender.

A sua birra de menina mimada fora o que a fizera se afastar da sua família, mas dali até que ela encontrara o menino pela primeira vez ela já aprendera algumas coisas.

Começaram, então, uma bela amizade. Agora ele fazia cantigas de amigo para ela, e não para qualquer moça bonita que passasse.

– Você tem que aprender algumas coisas, também. – O menino se assustara um pouco no dia em que ouvira essa frase vinda da menina. Mas seu tom era tão doce que ele deixara que ela continuasse. – Como, por exemplo, a administrar o dinheiro que você recebe das suas cantigas.

Era verdade que ele ganhava, por dia, um pouco mais do que o necessário para saciar a fome dos dois... Mas ele não sabia administrar o pouco que sobrava e eles, dia após dia, acordavam novamente sem um tostão.

– Ok, então confio à você as minhas finanças. Pode ser?

A partir de aí a menina começou a administrar suas finanças. Ela esperava chegar até o final do dia para contar quanto eles haviam arrecadado, depois ia até a padaria e comprava 4 pães franceses e 8 fatias de frios. E uma garrafa d’água. Essa era a comida deles. Assim, ela conseguia guardar um pouco de dinheiro à cada dia que se passava.

Ela nunca havia passado por tamanho sufoco assim, mas parecia ter vivido boa parte de sua vida nele, já que fazia aquilo com tanta vontade e certeza.

Não demorou muito para que ela tivesse dinheiro o suficiente para comprar ingredientes para fazer palha italiana. E, não, aquilo não era para eles, e sim para a venda.

Esse mesmo amigo do violão emprestava a sua geladeira à menina. Então, ela ia para a casa dele muito cedo, antes mesmo do menino acordar, para preparar os doces. Aquilo ajudou bastante na renda deles.

E juntos eles viveram durante um bom tempo nesse sufoco, até que tinham dinheiro para pagar por um quarto, e as coisas foram crescendo e a sua fase melhorando... Graças à economia da menina e a simpaticidade do menino para arranjar amigos nas ruas da cidade.

As coisas foram melhorando...

Coff-coff. Melhorando.

e...

...contaria mais, meu netinho, mas já estou no meu leito... Ela foi esperta sendo mais precoce do que eu. Hehehe. Boa noite.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Minha vida em Mombaça


Naquela noite tão taciturna eu queria inspiração. Eram 18:36 e eu já vestia meu pijama fino com um casaco grande e grosso de lã por cima. Contraditório, não? Estava fazendo companhia à Julio, meu primo, na sala. Ele ouvia alguma cantora de voz calma e suave que cantava algo como se libertar de si mesmo e futricava no seu notebook enquanto eu pensava no que fazer.

Por que a minha vida não dava uma guinada? Sempre, em algum momento do dia, eu ficava entediada.

¬ Queres fazer uma viagem? – ouvi meu primo me perguntar. Girei o rosto para ele.

¬ Como?

Não tínhamos dinheiro para bancar uma viagem de grande porte. Na verdade nos mantínhamos do modo como podíamos. Era apertado, não dava para extravasar.

¬ Minha colega me convidou para viajar com ela, mas é melhor que tu vás, assim eu continuo aqui; bancando a casa.

¬ Para onde? E com quem?

¬ Mombaça, com a Thays. Acho que a Helen vai também.

Girei o rosto para o resto da sala. Não podia decidir isso sozinha, tinha que consultar meus irmãos. Como resposta apenas suspirei um suspiro que se perdeu no vácuo.

Passados alguns minutos de extrema solidão, o trinco da porta de entrada foi aberto. Chegou a minha irmã do colégio. Ela veio direto à sala, como sempre, e nos cumprimentou antes de rumar para o nosso quarto.

¬ Letícia, eu vou viajar – avisei seca.

¬ Pra onde?

¬ Mombaça.

¬ É? Quando?

¬ Ainda não sei.

¬ Ah.

Me aproximei um pouco mais.

¬ Vou com a Thays e a Helen – esperei a reação dela, mas, como esta não veio, continuei – Não sei quando eu volto.

Ela estacou. Tive certeza de que seus olhos umedeceram e sua visão embaraçou. Mas ela engoliu em seco e não falou nada. Quando ela se garantiu, respondeu em um tom rouco e baixo:

¬ Eu tenho afazeres.

Incrédula, mas sem demonstrar, dei-lhe as costas. Ela sabia que se eu fosse não voltaria mais praquele lugar. Sentei no meu lugar à mesa e me perdi em meus pensamentos.

Eu tenho uma certeza quase absoluta de que um dia vai mudar, mas a razão sempre fez questão de me contrariar. Até agora eu não sei o que afirmar. As coisas são sempre assim: complicadas de início, mas quando entendidas e realizadas se tornam as mais perfeitinhas do mundo, pelo menos a seu ver. Mas você não vai concordar comigo. Tudo bem, ninguém vai a não ser que tenham passado por isso e notado isso. E a maioria das pessoas não vê pelo que passou, então eu não me surpreenderei. Mas, se você sabe do que eu estou falando, então você deve ser uma pessoa observadora e compreendedora que certamente irá pegar a moral deste pensamento que está, claro, completamente subentendido. Ao mesmo tempo se não for, fará o máximo de esforço para que você arrende o meu pensamento.

Eu prometo: eu arrendarei o quanto puder!

No rio da humanidade é impossível não saberes o que seres. Sois tudo, mas não há comparação possível com a vasta imensidão dele, o que faz-me pensar: pois então, sois nada.

Eu ia viajar.

Mais uma vez a maçaneta da porta foi girada, fazendo um barulho que me acordou. Olhei para o relógio. Já eram quase 21 horas. É, horário normal de a minha irmã chegar. Hoje, em especial, ela trazia meu irmão junto. Ele vinha da casa de um amigo e ela da aula. Mas porque ela demorou tanto eu não sei. Ele veio direto na minha direção:

¬ Mana, olha só o que eu ganhei. Olha, olha!

Ele esfregou nos meus olhos o seu novo bonequinho e, antes que eu pudesse dizer alguma coisa, ele voou para o seu quarto. Logo atrás dele veio a minha irmã que largou sua mochila em cima da mesa e foi servir-se de um copo d’água. Ela parecia cansada.

¬ Como foi o dia, mana? – ela me perguntou. Senti que perguntou apenas por perguntar. Ela não tinha interesse verdadeiro em perguntar sabendo que meus dias eram iguais.

¬ Normal, e a aula? Estava boa?

¬ É. Não gosto de Biologia III. É tão maçante.

Não respondi. Eu ainda tinha Biologia I que, pelo menos por enquanto, não era maçante. Suspirei. O silêncio agora era constante entre nós. Eu não queria ter que dizer adeus para quem sempre fora minha melhor amiga. Mas quem sabe daqui a alguns anos não nos encontramos de novo, pensei. Era o único modo de me animar, e mesmo assim não era um modo eficaz. Resolvi falar:

¬ Ludmila, eu vou viajar.

¬ Pra onde? Com quem? Como? Quando e até quando?

Aquela rajada de perguntas me atingiu como se ela tivesse me dado uma estocada no coração. Elas vinham com emoção total. Claro que vinham, ela cuidava de mim como se eu fosse um pedaço dela! Encarei o chão ao invés de encarar ela.

¬ Mombaça. Com a Thays e a Helen. Não sei como, provavelmente de avião. E quando eu ainda não sei.

Assim como não tive coragem de encará-la, também não tive coragem de respondê-la até quando. Até quando, até quando... Até quando? Não sei, não sei até quando. Até quando eu suportasse ficar lá. A única coisa que eu sabia era que eu ia demorar a voltar. Isso era fato. Eu viveria uma vida inteira lá antes de resolver voltar, custasse o que custasse.

Ela começou a falar enquanto suas bochechas começavam a se encharcar:

¬ Já és grandinha, acho que já sabes o que fazer. Acho que saberá se virar e... e quem sou eu pra te segurar, não é? Vá ser feliz, eu vou atrás. Vá viver sua vida, é o melhor que você faz, mesmo. – ela fez uma pausa dramática antes de continuar – A única coisa que te peço, mana, é que, por favor, não me faça te perder. Não quero te perder.

E eu sabia que ela não falava em me ver morta. Assenti com a cabeça. Eu também não queria perdê-la.

Voltei para a sala sem saber que ela me seguia. Perguntei ao meu primo:

¬ Quando é que chegará o meu nirvana?

¬ Amanhã. De noite. Corujão.

Corujão numa sexta-feira à noite. Era aceitável. Minha irmã foi para o quarto dela e se trancou lá. Fui ao quarto de Letícia e lhe comuniquei quando ela teria o quarto somente para ela. Depois fui ao quarto que meu primo dividia com meu irmão.

Não queria ser muito direta com ele. Ele era uma criança de somente sete anos e que não merecia ter que passar por isso nessa idade. Disse-lhe assim:

¬ A mana vai viajar amanhã. É um lugar muito longe e por isso vou sozinha. É uma terra em que, pra viajar para lá, você tem que fechar os olhos, mas manter a mente extremamente aberta. Não é uma viagem para criança, já que lá existem muitos trolls e mandrágoras que ensurdecem quem não souber cuidar delas, apesar de também haver fênix lindas e unicórnios igualmente lindos. No entanto prometo que eu volto antes que você imagine para lhe levar para lá também. Você vai gostar de lá, mas quando fores maior.

¬ Prometes que vens me buscar?

¬ Prometo.

Dei-lhe um beijo na testa e saí do quarto. Me preparei para dormir após comer alguma coisa rápida e fui para a cama.

No dia seguinte tudo estava mais animado. Aliás, tudo estava bipolar. Eu estava feliz por ir embora, mas estava triste por deixar todo mundo lá. Queria que eles fossem comigo. Quem faz um lugar bom são as companhias.

Como sempre, eu e Ludmila fomos as primeiras a acordar. Fomos para a escola juntas, como todos os dias. Julio levou meu irmão à escola e depois também foi para a faculdade. A única que ficou em casa, dormindo, foi a Letícia. Grande novidade.

O dia no colégio foi bom. Minha irmã no terceiro ano estava em um prédio diferente do meu, já que eu estou no primeiro. Isso, de certa forma, tornou a manhã menos punk. Só passamos o recreio juntas. Depois nos encontramos novamente para ir embora. Eu tinha entrado naquele colégio nesse ano, então eram poucas as pessoas que eu conhecia antes de entrar lá. Na verdade dava para contar nos dedos. A Ludmila, o Eduardo, o Rafael, o Matheus, a Daniela, a Juliana, a Victória, a Aline, a Gisela, o Henrique, a Gabrielle, a Tainara, a Jaqueline, o Jean, o Pedro... Ok, não eram tão poucas pessoas assim, mas comparado a todo colégio era sim.

A hora do almoço foi um silêncio sepulcral. E depois Letícia foi pra aula em depressão.

Ludmila e meu irmão me levaram ao aeroporto e lá encontramos a Thays e a Helen na companhia de meu primo. Conversavam tão animadamente... Sabiam que iriam se ver novamente dali à alguns meses. Tentei entrar no clima da conversa. Ludmila também tentou, mas mais por causa do nosso irmão.

Ele, tadinho, comentava animadamente sobre as criaturas mágicas que eu veria lá. Me pediu para trazer-lhe de presente um duende e uma fada. A fada ele daria para a sua namoradinha da escola. Apenas sorri. Ludmila comentou no meu ouvido:

¬ Não se esqueça de escrever.

Ela tentou comentar divertida, mas senti o tom de seriedade dentre aquela brincadeira. Disse que sim, que escreveria cartas extensas contando todas as minhas aventuras. Foi assim que vi meu irmão sorrir pela última vez para mim.

Em dado momento dei as costas aos dois e me dirigi ao meu primo. Eles me seguiram. Foi então que chamei meu primo para uma despedida à parte. As coisas com ele eram diferentes, eram mais secas, mais duras, mais maduras, eram mais razão do que emoção. Ele se limitou a me dizer que curtisse a viagem por ele, nada mais. Mas eu entendi esta frase em todos os sentidos possíveis. Trocamos tapinhas amigáveis nos ombros e nos demos um abraço forte e demorado, ainda sem derramar uma lágrima se quer. Ninguém disse palavra.

Nos juntamos novamente ao grupo.

¬ Preparada? – uma das gêmeas me perguntou.

¬ Sim, Helen. Temos sempre que estar. – respondi. Tentei dar um sorriso sincero no final da frase, mas este saiu meio torto.

Ela entendeu e me puxou pelo ombro. Tentou me confortar dizendo palavras acolhedoras que geralmente só uma mãe diz à sua filha. Fingi que ela havia conseguido me deixar melhor.

A chamada para entrar no avião aconteceu. Abracei meus parentes, tentando passar a eles animação e confiança. Chamei Ludmila a parte e lhe sussurrei:

¬ Não se esqueça de ser a mesma mãe que foste para mim para o nosso irmão, ele agora precisa disso mais do que qualquer um. E tu, mais do que qualquer um, sabes o que nossa mãe faria para cuidar dele agora. Explique-lhe também sobre despedidas e sobre a magia que cada lugar tem sobre nós.

Ela assentiu e os três viram nossas costas indo de encontro ao avião. Procurei não pensar muito no que a vida guardava para mim a partir de agora. Não queria me surpreender de maneira nem boa nem ruim. Não queria dizer palavra sobre isso, não era necessário. As coisas todas viriam do modo como tivesse que ser. Eu deixaria as coisas acontecerem naturalmente e assim as coisas se dariam melhor. Não iria me prender mais a um lugar por emoção, isso só me desgastaria mais e mais. Seria vivida e ensinaria aos outros sobre a vida. E não me preocuparia em como ganhar a vida. Dinheiro era tão material, pra que tudo isso se quando morremos levamos conosco nada além do nosso conhecimento sobre a vida?

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

O amor, por uma velha.


Um violão, ou qualquer instrumento que seja, às vezes, pode ser mais amigo e companheiro de alguém do que o próprio alguém. Um violão não quer você como ele quer, por exemplo. Ele não te ensina a ser bem melhor. Não diretamente. Chega a ser parecido com um sonho: quando a vida lhe oferece um sonho muito além de todas as suas expectativas, é irracional se lamentar quando isso chega ao fim.


No começo da vida eu era assim: cheia! A vida que transbordava de mim enchia tudo o que me cercava e os dias eram uma coleção de romances. Romance; não no sentido que realmente se dá, mas afeto, carinho, cuidado. A lei física e básica de que todos os corpos se atraem. Assim eu era com tudo e tudo era comigo. O sonho e a vigília eram os meus olhos se movendo – faltando algo nas coisas se seu fechasse um deles. Só naquele tempo eu sabia que o único amor possível é imediato e pequeno. É por isso que as pessoas brincam. Brincar é a única forma de amar de verdade.

Depois, descobri um mundo de brincadeiras mais interessantes. Homens, mulheres, amigos, parentes, colegas de trabalho, almas, paixões... Cansa, mas os resultados são muito, muito melhores! A vida se tornou uma grande festa de gala, onde estou sempre bonita, elegante, no centro das atenções. As pessoas passando; as bebidas passando. Não senti muito bem o gosto das coisas, mas provei de tudo. Pouquíssimas vezes eu fiquei com a taça vazia, como agora, e em todas elas apareceu alguém que a enchesse. É isso: o amor é um encher de taças.

Se casei? Claro que sim. Tive um casal de filhos de encher os olhos, mas fiquei no meio do caminho, né? Não sou minha mãe – infeliz, mas casada até o fim da vida – e não sou minha filha – que decidiu aos vinte anos não casar mais e nem ter filhos. Hoje eu imploro pra eles virem almoçar comigo um domingo por mês. Gastei os meus amores maduros na ioga, na esteira e no bingo... e nisso aqui. Não fui triste. A cachaça não bate a porta, não grita, não revida, se eu jogar ela fora. Queima por dentro, mas só nos primeiros goles. Com certeza eu tive menos primeiros goles do que outros goles. E aí, o amor é um copo de pinga.

To me cansando das novelas. Fico longe! Não mostram nem de perto o que é viver. Só as mulheres de meia idade e velhas estúpidas gostam de novela. Fui feliz e infeliz; fui amada e desamada; fui filha, mãe; mandei, obedeci; fui bonita – e aprendi a entender como o tempo mudou as minhas belezas. Tudo isso é natural. No que é natural, não há ressentimento. O cruel da vida é o mistério. É não saber nada sobre o próximo segundo. E é isso que dá a sua graça. O que eu não vivo, eu sonho. Envelhecer é, por isso, passar a sonhar mais. A morte é uma flor arrancada. Toma! Toma! Difícil saber quando se vai... o amor?